Era uma vez, no vilarejo ribeirinho de Sereno, onde as casas coloridas se equilibravam em palafitas sobre as águas calmas do rio, vivia uma garça azul chamada Flora. Flora era esguia e elegante, com penas de um azul tão profundo quanto o céu ao entardecer. Ela possuía um talento extraordinário: seus desenhos capturavam a essência do rio, dos peixes cintilantes aos ipês floridos que beiravam a margem. Mas Flora guardava seu dom como um tesouro secreto, escondido em um baú de madeira de jacarandá, tudo por causa de uma grande vergonha.
Ela tinha vergonha que seus desenhos não fossem bons o suficiente, vergonha do que as outras criaturas pensariam. Por isso, quando seu amigo, Joca, um tatu-bola esperto e cheio de energia, a convidava para brincar ou para os encontros no ateliê de Dona Cotovia, Flora sempre encontrava uma desculpa. Joca, com seu jeito divertido, rolava pelo vilarejo, sempre tentando arrancar um sorriso de Flora e incluí-la em suas aventuras.
— Flora, o sol está chamando para uma corrida de barquinhos! Que tal? — perguntou Joca, aparecendo na frente da palafita dela um dia, com seu casco reluzente. Flora apenas balançou a cabeça, dizendo que estava ocupada observando as nuvens. Na verdade, ela estava terminando um desenho de Joca rolando, mas a ideia de alguém ver era assustadora.
No topo da árvore mais alta de Sereno, ficava o ateliê de Dona Cotovia. Ela era uma cotovia sábia e de olhos brilhantes, conhecida por incentivar a criatividade de todos. Todo ano, Dona Cotovia organizava o Festival de Artes do Rio Sereno, um dia em que todas as criaturas do vilarejo podiam exibir suas criações. Os macacos mostravam suas esculturas de coco, as lontras suas canções aquáticas e os beija-flores, seus bordados de flores. Era uma festa de cores e sons.
Joca, sabendo do talento secreto de Flora, fez um convite especial.
— Flora, este ano o festival de Dona Cotovia será ainda mais legal! Por que você não mostra um de seus desenhos? Tenho certeza que são maravilhosos! — ele disse, com a voz cheia de entusiasmo.
Flora sentiu um arrepio. A vergonha apertou seu coração como um nó. Ela pensou nos seus desenhos, tão preciosos, mas tão privados. Ela imaginou todos olhando, talvez rindo, talvez achando sem graça. — Ah, Joca, eu não tenho nada para mostrar. Meus desenhos não são para os olhos de ninguém — respondeu ela, desviando o olhar.
Mas Joca não desistiu. No dia do festival, ele insistiu para que Flora fosse, nem que fosse apenas para ver. — Você não precisa mostrar nada, Flora. Apenas venha sentir a alegria! — ele implorou. Com um suspiro, Flora concordou em ir, mas apenas se misturaria à multidão, escondida. Ela vestiu seu mais discreto vestido azul e caminhou lentamente até a grande árvore.
No ateliê de Dona Cotovia, o ar estava repleto de criatividade. Risadas e admirações encheram o espaço. Flora observou as pinturas vibrantes das borboletas, as cestas trançadas pelos peixes-boi e as histórias contadas pelos jabutis. Todos estavam tão orgulhosos de suas obras, e a alegria era contagiante. Dona Cotovia, com sua voz suave, dizia a cada um: — Que beleza a sua arte! Cada um de vocês tem um dom especial.
Ao ver a cena, algo começou a mudar dentro de Flora. Ela sentiu um calorzinho no peito. Seus desenhos eram uma parte dela, uma forma de ver o mundo. Por que esconder algo tão bonito? Um dos macacos elogiou um desenho de Joca que estava exposto, e Joca, orgulhoso, contou que ele havia inspirado a garça azul. Isso deu um empurrãozinho a Flora.
Com o coração batendo forte, Flora olhou para o seu baú, que ela havia trazido por impulso. Ela escolheu um desenho de um pôr do sol sobre o rio Sereno, com todas as cores do arco-íris refletidas na água. Suas patas tremeram um pouco, mas ela respirou fundo. Joca a viu e sorriu, incentivando-a com o olhar.
Flora caminhou lentamente até a mesa de exposições, segurando o desenho com cuidado. Dona Cotovia a recebeu com um sorriso acolhedor. Flora, com a voz um pouco embargada, disse que queria mostrar um de seus trabalhos. Dona Cotovia pegou o desenho com delicadeza. — Oh, Flora! Que cores vibrantes! Que visão tão linda do nosso rio! — exclamou a cotovia, admirada.
Outras criaturas se aproximaram. Um beija-flor murmurou: — É a beleza do próprio Sereno! — A garça azul viu os olhos brilharem de admiração e os sorrisos sinceros. A vergonha começou a diminuir, como a névoa da manhã se dissipando. Ela percebeu que a alegria de compartilhar era muito maior do que o medo de ser julgada. Seus desenhos eram, sim, bons. Eram a sua forma única de ver e pintar o mundo. Ela não precisava ter vergonha.
A partir daquele dia, Flora continuou a desenhar, mas agora com um novo propósito. Ela sabia que cada pincelada era um pedaço do seu coração que ela estava feliz em compartilhar. E o rio Sereno, com seus habitantes, aplaudia a cada nova obra da talentosa garça azul que finalmente encontrou o brilho em si mesma. O vilarejo ficou ainda mais colorido com a arte de Flora, e todos aprenderam que a maior beleza está em compartilhar quem somos de verdade, sem vergonha.
